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Intercâmbio na Costa Rica

Intercâmbio na Costa Rica

Gabriel Cardoso Carrero, coordenador do programa de Mudanças Climáticas e Serviços Ambientais.

Viajei à Costa Rica para conhecer e aprender com as atividades produtivas agroflorestais da região e trazer essa experiência para Apuí, município onde trabalhamos no sul do Amazonas, e que será a região principal de nossas intervenções advindas desses novos conceitos e aprendizados que pude vivenciar durante meus dias por esse país da América Central.

O país é modelo no mundo por ter revertido o processo de perda de cobertura florestal com a implantação de um programa nacional de pagamentos por serviços ambientais. O país passou de 26% de área de cobertura florestal original em 1990, para 52% em 2013. Essa bem sucedida recuperação florestal, vista do chão, tem muito de práticas agroecológicas e sistemas agroflorestais envolvidos. É por isso que este país (com cerca de 5.200 km², um pouco menor que o município Apuí) tem tanto a ensinar para quem quer produzir em ambientes originalmente de florestas, especificamente para o caso da Amazônia.

A instituição referência em Sistemas Agroflorestais é o CATIE (Centro Agronômico Tropical de Investigação e Ensino), com sede na cidade de Turrialba. Com o professor Dr. Elias de Melo, coordenador acadêmico de Agroforesteria Tropical do CATIE, visitamos algumas experiências de modelos de produção de café sombreado em agricultura familiar integrados à propriedade, em grandes propriedades e em sítio experimental de longo prazo do préprio CATIE. Aqui, vou apresentar um pouco da visita que tive a uma pequena propriedade, a Finca (Propriedade rural) Orgânica Caçaveral.

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Esta propriedade rural de 4 hectares, tem cerca de 0,5 hectares de café sombreado, 3 hectares de plantações de cana-de-açúcar e uma pequena área de floresta secundária. Também conta com pequeno açude de criação de peixe e dois barracões: um para produzir o melado de cana e rapadura e o outro para receber visitas. Adquirida em 1993 por Dom José Fuentes Gamboa e sua família, decidiram parar de usar insumos químicos em 1999 e conseguiram a certificação orgânica para o café, porém a produção era muito pouca. Pensaram em desistir, mas iniciaram um processo de aprendizagem e prática e incorporação de técnicas apoiados pelo CATIE em 2002. Desde lá, seus 3 filhos com famílias respectivas voltaram a trabalhar na propriedade, integrando as atividades para produção de insumos orgânicos e diversificando a produção. Antes, a renda mal sustentava o casal. Agora dá sustento direto para 5 famílias com o sistema orgânico e integrado.

Café sombreado

No cafezal, existe a cobertura de árvores do poró-gigante (Erythrina poeppigiana) e do laurel (Cordia aliodora), árvore de interesse madeireiro de rápido crescimento. O poró-gigante é muito utilizado na América Central e principalmente na Costa Rica, tem rápido crescimento, altíssima capacidade de regeneração e rebrota, facilidade de se reproduzir em estacas, raízes profundas e o mais importante, fixa nitrogênio em grandes quantidades, nutrindo o cafezal com a decomposição de seus galhos e folhas (além de alimentar o gado). O poró tem espaçamento de 3X3m, e a sombra deve ser entre 20% e 40%, mas na florada eles são mais podados e chegam a cobrir 10% apenas. Contudo, não é necessário tirar todos os ramos do poró de uma vez, pois a sombra também é muito importante para o café.

A sombra no cafezal regula a temperatura do ar, protege o solo com o conjunto de raízes que faz um colchão protetor contra erosão e ainda melhora sua estrutura, ajuda a diminuir o ataque de algumas pragas e enfermidades, apresenta melhor aproveitamento da Água da chuva e diminui a necessidade de uso de herbicidas e fertilizantes; fornece possibilidade de venda de madeira, incrementa a renda familiar ou fornece matéria prima pra própria propriedade rural (madeira ou lenha), aumenta a biodiversidade e atrai a fauna. Mas um cuidado, a muita sombra impede o desenvolvimento do cafezal, por isso é necessário o manejo da sombra, com podas planejadas e bem feitas.

Além do poró, a adição de composto orgânico e o biofertilizante produzidos na propriedade, mais as cascas do café beneficiado são utilizadas para adubar o cafezal orgânico. A família é que beneficia, seca e torra o café, que recebe o selo orgânico e é vendida ainda de forma artesanal, aumentando o lucro para o produtor.

Gado e produção de composto orgânico

O motor da produção orgânica da propriedade é a uma soma dos resíduos do bagaço de cana e o esterco. A família mantem 7 vacas em um curral, onde são alimentadas com as folhas da cana, galhos do poró-gigante, uma árvore leguminosa que também sombreia e aporta nitrogênio ao cafezal, além da titonia (Tithonia diversifolia), e o nacedero (Trichanthera gigantea) O objetivo principal dos animais é produzir esterco, mas também são fonte de carne para o consumo ou venda. A parte misturada com a urina vai para o biodigestor para gerar energia para as caldeiras que cozinham o melado de cana. O esterco que cai na parte seca onde jogam um pouco do bagaço da cana, é acumulado e a cada semana uma carretinha é levada até a área de produção de composto orgânico.

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Ali acrescentam os microorganismos da floresta (fungos e bactérias) para que transformem os materiais em adubo orgânico. Assim, Dom José coleta folhas cobertas de fungos e bactérias do pedacinho de mata que tem, adiciona-os em um balde com água e a borra que sai da produção do melado de cana. Ali eles se multiplicam rapidamente e ele passa a regar as pilhas de composto orgânico com essa mistura. Ao composto também é adicionada cinza da lenha queimada na produção do melado (para regular o pH), e também um pouco da urina do gado. Em dois meses se produz o composto orgânico, que deve ser mantido entre 50 e 70 graus Celsius de temperatura. A família produz 400 sacos de adubo orgânico por ano, suficiente para o cafezal e o canavial com árvores de laurel.

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microorganismos que são adicionados ao composto orgânico

Como biofertilizante também usam as cinzas, húmus e o “chá de minhoca”, um caldo que escorre da produção de húmus de minhoca.

Produção de melado de cana.

Aqui somente direi que da cana e sua produção, além da rapadura e do melado para a venda, se utilizam as cinzas da queima do forno (que utiliza o bagaço e a lenha), o bagaço e a borra como matéria prima para o adubo orgânico, as cinzas para regular o pH do cafezal e para produzir o adubo foliar. O canavial ainda produz madeira (laurel) que vai alimentar a caldeira.

Além dessas atividades, eles ainda produzem mel e fazem o turismo rural, onde recebem visitantes interessados em conhecer toda a produção integrada da propriedade. Esta propriedade é reconhecida pelo governo da Costa Rica como um propriedade modelo de desenvolvimento sustentável, e atualmente gera uma renda bruta de mais de R$125.000,00, isso em apenas 4 hectares. Que exemplo, hein?

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