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Asfaltar ou não asfaltar?

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Asfaltar ou não asfaltar?

Estrada que liga Manaus a resto do país ameaça abrir uma Alemanha na mata

 

Publicado  em  04/09/2018, na Folha de S. Paulo
Por Fabiano Maisonnave e Lalo de Almeida

 

A poeirenta Realidade (AM) segue o ciclo de exploração descontrolada de madeira, que abre espaço para a grilagem e o desmatamento ilegal que precede a pecuária extensiva. A diferença é que a vila fica às margens da BR-319, que, se asfaltada, pode espalhar esse modelo de ocupação caótica a uma área da floresta maior que a Alemanha.Inaugurada em 1976, a BR-319 tem quase 900 km e é a única ligação rodoviária de Manaus ao resto do país, via Porto Velho (RO). Contra a praxe, foi entregue asfaltada, mas a falta de manutenção fez com que perdesse o pavimento até ficar intransitável, em 1988.

Desde 1996, a rodovia voltou ao radar do governo. Desde então, o reasfaltamento de trechos próximos às capitais e as obras de manutenção têm melhorado a trafegabilidade e aumentado o fluxo de veículos, que levam pessoas e mercadorias, mas a falta de licença ambiental vem impedindo a pavimentação do chamado “trecho do meio”, de 406 km.

Há muito debate em torno dessa licença. O principal entrave para que o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) não a emita é a baixa presença do Estado na região da BR-319, cujo asfaltamento viabilizaria também a abertura de quatro estradas estaduais projetadas.

A maior delas, AM-366, de 578 km, corta um parque nacional e terras indígenas. Ao todo, a área de influência da BR-319 equivale aos territórios da Alemanha e Holanda juntos, segundo estudo do Idesam (Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia).

A ausência do Estado piorou em outubro do ano passado, quando garimpeiros incendiaram os escritórios do Ibama e do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) em Humaitá (AM), município ao qual a vila de Realidade pertence.

“A BR-319 é uma enorme ameaça à floresta porque abre a metade que sobrou da Amazônia brasileira à entrada de desmatadores”, diz o ecólogo norte-americano Philip Fearnside, do Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia), com sede em Manaus.

“A estrada conecta o Arco do Desmatamento [sul do Amazonas e Rondônia] com Manaus, que tem uma rede de estradas até Roraima, por onde podem sair os migrantes”, diz Fearnside, ganhador do Nobel da Paz de 2007 com outros cientistas do IPCC, o painel de clima da ONU, pelos alertas para o aquecimento global.

A melhoria de condições da estrada nos últimos anos já incentivou o crescimento de Realidade, que começou como assentamento do Incra e hoje tem cerca de 7.000 pessoas, boa parte vinda de Rondônia.

O estudo do Idesam sobre os impactos socioambientais da BR-319 mostra que, nos últimos oito anos, 305 km de ramais (estradas vicinais) foram abertos em torno de Realidade, principalmente por madeireiros. Apenas de 2016 ao ano passado, o total da área desmatada ali aumentou 17%.

“As ocupações são muito mais rápidas do que a presença dos governos nessas áreas”, diz a pesquisadora Fernanda Meirelles, coordenadora de políticas públicas do Idesam.

Segundo ela, a criação de unidades de conservação ao longo da BR-319 para mitigar os impactos não basta para manter a floresta preservada.

“Elas são muito importantes e atuam como barreira de desmatamento, mas já verificamos, em algumas unidades, ramais abertos. Quanto mais perto está de assentamentos e concentrações urbanas, mais vulneráveis estão”, diz.

 

Leia a reportagem na íntegra aqui

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