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COP-26: entre erros e acertos

COP-26: entre erros e acertos

Victoria Bastos, coordenadora do Programa de Mudanças de Climáticas, avalia encontro, compromissos assumidos pelo Brasil e demais países e perspectivas para a Amazônia.

 

Da Assessoria
Imagem: Paul Ellis/AFP

 

Realizada de 1º a 12 de novembro, a 26ª edição da Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, a COP26, reuniu líderes de mais de 100 países em Glasgow, capital da Escócia. Entre os diversos compromissos assumidos, reside a certeza de que há muito a se fazer pelo planeta e o caráter, em qualquer dos cenários, é de urgência.

Aproveitando o gancho, Victoria Bastos, coordenadora do Programa de Mudanças Climáticas do Instituto de Conservação Ambiental e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia (Idesam), notou avanços na participação do Brasil no encontro. Desde a Eco-92, o país esteve como protagonista em negociações nas COPs, sendo conhecido como um destravador de acordos difíceis nessas conferências e reconhecido por fazer a sua lição de casa ao ter diminuído o desmatamento e suas emissões entre 2005 e 2015.

No entanto, segundo ela, nos últimos anos o país passou a ser fortemente cobrado por outras nações a respeito de ações de combate à crise climática. Fatos como a paralisação do Fundo Amazônia, a baixa ambição em metas de emissões, o aumento crescente do desmatamento e a falta de oficialização de seus compromissos para a redução de emissões colocaram o Brasil nesta posição, mas compromissos já foram publicamente assumidos e, caso cumpridos, podem recolocá-lo em um patamar melhor.

 

  • O que fez da COP26 um evento tão importante?

 

A expectativa para a COP26 era a de que fosse a edição mais importante desde a 21, quando foi firmado o Acordo de Paris, que estabeleceu que todos os países signatários assumiriam compromissos de mitigação e adaptação para manter o aumento médio de temperatura da Terra em no máximo dois graus Celsius. E Para a conferência deste ano, esperou-se que os pontos principais a serem discutidos fossem: o aumento da ambição dos países quanto aos seus compromissos de redução de emissões e neutralidade de carbono; a regulamentação do Artigo 6 do Acordo de Paris, voltado para o funcionamento de um mercado internacional de carbono; e o aprimoramento de mecanismos financeiros que promovam a justiça climática, como, por exemplo, a implementação de um fundo para perdas e danos que permita a adaptação a nações em desenvolvimento.

Outro ponto que ajudou a aumentar as expectativas para as decisões da COP26 foi o resultado do 6º relatório do IPCC (Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas), lançado neste ano. Neste documento, feito por mais de 300 cientistas ao redor do mundo, houve a advertência mais séria já feita na história do IPCC sobre a influência das ações humanas na crise climática e seus impactos.

 

  • E o que esta edição trouxe, de fato, em termos de avanços?

 

Como de costume, a COP26 resultou em avanços em alguns temas e em outros deixou a desejar. As maiores conquistas do encontro, em 2021, tiveram como base o princípio que norteou o Acordo de Paris: o consenso de que, para evitarmos uma catástrofe climática e frear o aquecimento global, governos e sociedade civil (como setor privado) precisam colaborar internacionalmente para a descarbonização da economia global.

Foi firmado ao final da COP26 o texto que foi chamado de Pacto do Clima de Glasgow, o qual reforçou compromissos das partes em manter o aquecimento abaixo do limite de 1,5°C, além de outras diretrizes sobre compromissos de redução de emissões de cada país e a sinalização de novos compromissos que devem constar dentro das ambições a partir de agora, como por exemplo financiamento para adaptação e perdas e danos, e diminuição no uso de combustíveis fósseis.

Os pontos de destaque que avançaram foram: o fechamento do Livro de Regras do Acordo de Paris, que estabeleceu, após seis anos de discussões, as regras para o mercado de carbono global; os acordos de Floresta e Metano, declarações importantes para a redução dos gases de efeito estufa e que se relacionam diretamente com o perfil de emissões do país; e a inclusão da menção a combustíveis fósseis no Pacto do Clima de Glasgow, que trouxe, de forma inédita, a necessidade de redução de combustíveis fósseis para geração de energia.

 

  • O que deixou a desejar?

 

Temas como o aumento da ambição das metas dos países e a justiça climática não avançaram. Uma das maiores expectativas era receber dos países sinalização de aumento da ambição das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), ou metas climáticas, mas isso ficou muito longe do desejado. Esperava-se que os países adequassem seus compromissos ao objetivo de atingir o 1.5 ºC de aumento de temperatura, o que não aconteceu. Os países deverão apresentar metas ajustadas para um maior corte das emissões em 2022.

Outro ponto que ficou para futuras negociações foi o financiamento para adaptação de perdas e danos, que tinha como expectativa buscar a justiça climática para países mais afetados.

Durante a COP26, países em desenvolvimento cobraram pela criação de um mecanismo para perdas e danos, porém, nações como Estados Unidos e membros da União Europeia não cederam à reparação e concordaram apenas em ajudar tecnicamente. O que se espera é uma reparação de países desenvolvidos a países em desenvolvimento, como forma de compensar estes países por danos causados especialmente pelo histórico de emissões das nações mais ricas. Este tema promete ser o mais discutido para a COP27, que será no Cairo, Egito, no próximo ano, e novos mecanismos para permitir justiça climática devem surgir.

 

  • Com relação ao Brasil, houve algum ponto positivo a se destacar?

 

Nesta edição, o Brasil conseguiu recuperar, ao menos por enquanto, sua posição colaborativa na COP. O país estava sendo criticado por travar discussões sobre o Artigo 6º, relacionado ao mercado de carbono global, além de ter sido fortemente cobrado pelos seus resultados de redução de emissões. Na COP26, o Brasil flexibilizou sua posição em relação ao Artigo 6º e colaborou para fechar o Livro de Regras do Acordo de Paris. Além disso, o país também foi elogiado pelos acordos que assinou (Florestas e Metano) e pelas metas atualizadas de zerar o desmatamento ilegal até 2028 e reduzir 50% das emissões até 2050.

Porém, nosso país continua recebendo cobranças para entregar resultados alinhados às metas que declarou, pois nações e sociedade civil ainda olham com desconfiança para o país, já que as emissões totais do Brasil vêm crescendo a cada ano e o desmatamento na Amazônia tem aumentado, anualmente, desde 2016, atingindo o recorde em 2021 com 13 mil km² desmatados entre 2020 e 2021.

 

  • Quanto à Amazônia, em que os compromissos e deliberações da COP26 podem ser úteis?

 

Em resumo, a COP26 trouxe alguns pontos de esperança para a Amazônia, principalmente relacionados ao financiamento internacional. No entanto, considerando as ameaças constantes ao bioma, como a abertura de novas áreas e queimadas, não é exagero dizer que o ritmo da devastação é maior do que o da realização destes financiamentos. A Amazônia já não pode esperar mais negociações e promessas.

Nesta COP, finalmente foi autorizado o mercado de carbono global, o que significa que países poderão trocar créditos de carbono entre si. Para a geração destes créditos, existem fontes diversas, sendo uma delas a conservação de florestas, de especial vantagem para o Brasil.. Nós temos quase 50% do território do brasil ocupado pela Floresta Amazônica, a maior floresta tropical do mundo. Por conta do solo e da biomassa das árvores, temos um estoque de carbono enorme e, pensando no mercado de carbono global, o Brasil poderia ser um grande ofertante de créditos para países que precisam de créditos ou mesmo no mercado voluntário.

E a expectativa é de que todo o dinheiro movimentado dentro destes mercados seja uma forma de incentivar mais a conservação e a recuperação florestal, bem como projetos que valorizam a floresta em pé. Pensando dessa forma, todas as outras atividades econômicas, cadeias produtivas e setores, terão de pensar em fazer o mesmo, com o mínimo possível de impacto nas florestas.

Porém, isso não é a bala de prata. Vender crédito do que temos conservado não será suficiente para reverter o quadro de desmatamento visto na Amazônia atualmente. O país está  desmatando em velocidade e taxas recordes para os últimos 15 anos. Se esse cenário não for mais positivo, serão duas as consequências: o Brasil vai perder seu potencial de ganhar dinheiro com floresta em pé e, possivelmente, inverterá sua posição no mercado de carbono: ao invés de vender crédito, ele vai ter que comprar, pois, afinal, quase 50% das emissões de carbono do Brasil vêm do desmatamento.

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