DOE AGORA

Turismo na Amazônia: Grande potencial, poucos exemplos

content image
Turismo na Amazônia: Grande potencial, poucos exemplos

Por Carlos Koury, diretor executivo do Idesam

 

No início deste ano, uma matéria veiculada em mídia nacional mostrou um exemplo de potencial turístico do Brasil a partir de sua natureza e seus parques, com destaque para o turismo e a pesca esportiva na região Amazônica.

Se existe alguma escassez na Amazônia, é de casos de sucesso no aproveitamento turístico, ainda mais ao considerarmos os exemplos que conciliam a atividade a processos de ordenamento, gestão de unidades de conservação e inclusão comunitária. Mas a reportagem – e a experiência do Idesam no tema – nos mostram que o potencial existe, apenas precisa ser trabalhado.

Nesse cenário de muito potencial e poucos exemplos práticos, a Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) do Uatumã, que desde 2006 tem sido um dos nossos principais locais de atuação, é um dos casos que inspira na atividade turística (e sustentável) na Amazônia unindo espaços protegidos da natureza e ações voltadas para ordenamento legal, empoderamento comunitário, esporte e gestão participativa.

 

Os planos da RDS do Uatumã

No quesito ordenamento, o plano de gestão da RDS (na esferal Federal o documento é ‘definido como ‘Plano de Manejo) foi o primeiro passo para o desenvolvimento do potencial turístico. Promovido pela Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas (SDS), financiado pelo WWF-Brasil e desenvolvido pelo Idesam entre 2006 e 2008, o documento trazia direcionamento para a exploração turística e alertava para a necessidade de ordenamento da pesca amadora, que mais tarde seria substituída pela pesca esportiva, mais apropriada ao cenário local.

Uma das inovações trazidas no Plano de Gestão da RDS do Uatumã foi a divisão do Zoneamento da UC em dois itens distintos: o zoneamento terrestre e o zoneamento dos recursos hídricos. E mais, em vez de seguir o padrão e definir regras durante a elaboração do Plano, o documento estipulou um debate anual para a atualização das regras de uso da bacia hidrográfica dentro da UC, em reflexão ao dinâmico uso das águas por parte das comunidades e outros usuários. Isso permite que, anualmente, a RDS do Uatumã debata e posicione regras adaptadas à realidade do momento, sem permanecer com as mesmas definições tomadas há dez anos.

Com as recomendações trazidas pelo Plano de Gestão da reserva, o Idesam se mobilizou para a elaboração do Plano de Uso Público, a fim de promover de forma ordenada o turismo no Uatumã. O Plano de Uso Público criou um mapa de opções turísticas por região e comunidades da UC (confira a imagem abaixo), diversificando as atividades nas comunidades e permitindo a criação de roteiros que atendessem os diversos interesses: turismo de base comunitária, turismo embarcado, atividades contemplativas, esportivas e ecológicas.

De todas as atividades, a pesca esportiva era notadamente a mais acessível para as comunidades, por já ser praticada na Reserva. O Plano de Pesca Esportiva da RDS do Uatumã definiu as regras e as características para a atividade, contemplando a participação comunitária e boas práticas para conservação dos estoques pesqueiros da região. Além da agendas e regras, desenvolver a inclusão comunitária e estimular uma melhor relação entre pescadores esportivos, operadores de pesca, comunitários e órgão gestor da UC era o elemento-chave para o sucesso do ordenamento e promoção turística.

O Plano de Uso Público foi concluído em 2010.

 

 

Cenário atual

Atualmente nove pousadas familiares recebem turistas, focados principalmente na pesca esportiva. Atividades de entretenimento, contemplação e lazer, ainda que menos expressivas, também já são praticadas. Quase cem famílias estão envolvidas na pesca esportiva da UC, seja como dono das pousadas, prestadores de serviços às pousadas familiares ou aos barcos-hotéis que trazem pescadores esportivos entre agosto e dezembro.

O empreendedorismo comunitário vai evoluindo respeitando o tempo e as características locais, ampliando sua participação, aumentando as atividades turísticas e colocando a RDS do Uatumã em lugar de destaque no turismo da região, garantindo a conservação dos 424.424 hectares e dos mais de 400 km de rios, lagos e igarapés da reserva.

Na gestão da UC, além do debate anual de revisão das regras de uso dos recursos aquáticos e pesqueiros, outro elemento pioneiro de gestão compartilhada aconteceu em 2014, quando a Associação Agroextrativista das Comunidades da RDS do Uatumã (AACRDSU) ganhou direito de promover a gestão turística da UC, recolhendo uma quantia dos pescadores como taxa de entrada para promover a promoção e o monitoramento da atividade turística e pesca esportiva. Este valor veio aumentando e em 2016, a associação recolheu R$ 20 mil, reaplicados de forma participativa em monitoramento e nas comunidades.

Este valor, apesar crescente ano após ano, ainda representa o recolhimento de menos de 10% dos pescadores que entram na RDS, uma vez que a Associação ainda não possui estrutura suficiente para um monitoramento adequado das embarcações e atividades de turismo.

Essa gestão participativa, se devidamente apoiada e aplicada em toda Reserva, tem o potencial para ser um divisor de águas na gestão da UC. Os valores arrecadados com as atividades turísticas poderiam, dessa forma, compor o orçamento da gestão da RDS do Uatumã, assumindo um papel importante na sustentabilidade financeira na gestão da UC.

Como este exemplo, as Unidades de Conservação da Amazônia precisam de inovação e diversificação em suas formas de gestão. E essa gestão, por sua vez, deve considerar não apenas os objetivos de criação da UC, mas também a realidade social local e a relação da UC com a região.

Seja pela participação comunitária, como o modelo da RDS do Uatumã; ou através de maior envolvimento na agenda das economias locais como as concessões florestais madeireiras; pela gestão compartilhada com o terceiro setor; ou através do envolvimento da comunidade do entorno na interação e proteção contra agentes que ameaçam a conservação, como no Parque Nacional de Anavilhanas; ou ainda na relação entre etnias indígenas, comunidades e gestores públicos como na Floresta Nacional do Tapajós… parcerias, inovação e adequação com a realidade fazem a diferença na gestão das UCs e devem se expandir ainda mais, potencializando as características locais a favor da conservação da UC e do desenvolvimento sustentável da Amazônia.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.

Relacionados

WordPress Lightbox Plugin