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Projetos dependem da floresta em pé para gerar lucro na Amazônia

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Projetos dependem da floresta em pé para gerar lucro na Amazônia

Fundo Amazônia, bancado por Alemanha e Noruega, financia 25 iniciativas de que tem a bioeconomia como principal característica

(Por Ana Carolina Amaral, publicado originalmente na Folha de São Paulo, em 04/09/2019)

 

A biodiversidade da Amazônia pode ser a resposta para a sua própria conservação, através da economia baseada em produtos como o açaí, a castanha, o óleo de pau-rosa, a borracha e outros itens que não dependem da derrubada da floresta para se desenvolverem —pelo contrário, precisam dela em pé.

A chamada bioeconomia tem sido defendida pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, como estratégia de proteção ambiental. No entanto, boa parte dos laboratórios e incubadoras que apoiam cadeias produtivas florestais dependem do Fundo Amazônia, cujo futuro é incerto desde que o ministro passou a propor mudanças na gestão do recursos, o que desagradou os países doadores, Alemanha e Noruega.

Hoje, 25 dos 103 projetos apoiados pelo Fundo são ligados a instrumentos econômicos de conservação da Amazônia, executados por organizações do terceiro setor, governos estaduais e universidades. À Folha, o ministro disse que é preciso envolver o setor privado na avaliação dos projetos. “Ninguém se preocupa em estudar a viabilidade econômica e
incluir a perspectiva de lucro. Daí se tirar o subsídio, o projeto morre.”

Segundo dados do projeto Amazônia 4.0, um dos apoiados pelo Fundo Amazônia , o manejo de açaí no estado do Pará lucra cerca de US$ 1.500 (R$ 6.200) por ano para cada hectare explorado, gerando uma economia de mais de US$ 1 bilhão (R$ 4 bilhões) por ano para a Amazônia. Exportado para o mundo como fruta congelada, cápsula antioxidante e até cosmético, o açaí tem sido aproveitado até o caroço. A Votorantim passou a comprar 6.500 toneladas de semente por mês para uso em fornos de cimento, no lugar do coque de petróleo.

Entretanto, a bioeconomia soma desafios próprios da região amazônica aos de instalação de novas cadeias produtivas e, ainda, de integração de pequenos produtores comunitários a grandes mercados. O Amazônia 4.0 monta um plano estratégico para responder a essas questões a partir da aliança entre conhecimento científico e tradicional, como também de investimentos em tecnologia de ponta. A iniciativa reúne instituições como USP e a ONG Imazon e lista caminhos para enfrentar desafios na agregação de valor, como garantir qualidade, rastreabilidade, escala e acesso a mercados para os produtos da bioeconomia.

Também apoiado pelo Fundo Amazônia, o projeto Origens Brasil conecta produtores de comunidades isoladas em territórios do Xingu, Calha Norte e Rio Negro a grandes empresas.
A Wickbold, por exemplo, há três anos usa em seus pães as castanhas de comunidades amazônicas. A rede de supermercados Pão de Açúcar também comercializa produtos com o selo Origens Brasil e a Firmenich usa óleos de espécies da Amazônia para itens de perfumaria. A costura é feita por ONGs como Imaflora e ISA (Instituto Socioambiental).

Já o aplicativo Cidades Florestais usa a tecnologia na gestão dos negócios encabeçados pelas comunidades da floresta. Criado pela ONG Idesam (Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia) e também financiado pelo Fundo Amazônia, a tecnologia oferece uma ferramenta de gestão de produtos madeireiros e não madeireiros. A contrapartida das comunidades é a transparência, o que permite a rastreabilidade da cadeia produtiva.

Lançado há cerca de um mês, o aplicativo acompanha o processo de licenciamento das atividades e, através de um QR code, rastreia o processo desde a árvore até o lote final da madeira. Feito sob medida para a realidade amazônica, o aplicativo permite que o produto salve as informações também quando se está offline, na floresta. Os dados se online assim que o celular se conecta à internet —normalmente quando o produtor vai à cidade para compras.

“Se não encontra mercado licenciado perto dele para a quantidade que ele consegue entregar, o produtor pode acabar cooptado pela ilegalidade”, avalia Carlos Koury, diretor técnico do Idesam e um dos idealizadores do app. Segundo ele, a tecnologia responde a esse problema garantindo a origem do produto —com uma informação obtida de forma mais barata, pelo celular— e também permitindo a negociação com compradores pelo aplicativo. A tecnologia também fornece informação às comunidades sobre manejo florestal, dando poder para que elas decidam sobre seus territórios.

“Manejo florestal é acelerar a regeneração que a floresta faria naturalmente após a retirada da madeira. Podemos repor as clareiras que foram abertas [pela retirada de madeira] com espécies não madeireiras, que têm mais valor agregado. O pau-rosa, por exemplo”, explica Koury. O pau-rosa é valorizado pela extração de seu óleo, cujo aroma é usado por
grandes perfumarias. “Com esses produtos, a floresta passa a valer cada vez mais”, afirma Koury.

No município de Silves (AM), um dos primeiros usuários do aplicativo é a Copronat (Cooperativa de Produtos Naturais da Amazônia) usa sementes de cumaru, andiroba e copaíba para fabricar sabonetes, velas aromáticas, repelentes e incensos. “Agora não temos mais o problema de molhar o papel”, afirma o representante da Copronat Rusivaldo da Silva, ao ser questionado se já havia percebido algum benefício na tecnologia.

Ele explica que muitos cooperados não conseguiam manter em dia as documentações exigidas porque dados colhidos em fichas de papel na floresta eram perdidos em dias de chuva. “Agora dá para ver as áreas de colheita no mapa. A gente vai poder ter mais cooperados”, afirma.

Comunidades indígenas, ribeirinhas e quilombolas apoiadas pelo ISA no desenvolvimento de produtos da biodiversidade geraram em 2018 um faturamento bruto de R$7,2 milhões.
Para Marcelo Salazar, que coordena o programa Xingu do ISA, a economia mantém essas pessoas na floresta e elas, por sua vez, também ajuda a fiscalizar a ocorrência de atividades ilegais, já que são, muitas vezes, as primeiras testemunhas de crimes em áreas florestais. “É preciso haver uma combinação de bioeconomia com políticas públicas que considerem a
prestação de serviços socioambientais pela floresta e invistam no cumprimento da lei.” “Uma terra indígena, por exemplo, é direito daquela população, seja economicamente produtiva ou não. Hoje, onde tem população tradicional é onde tem floresta”, diz.

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