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Relatório do GT BR-319 do Ministério dos Transportes não apresenta ações para a criação de plano contra impactos ambientais de obras na rodovia

Relatório do GT BR-319 do Ministério dos Transportes não apresenta ações para a criação de plano contra impactos ambientais de obras na rodovia

Texto produzido em colaboração com as organizações que assinam a nota de posicionamento, cujo conteúdo completo, pode ser acessado na biblioteca do site do Observatório BR-319. 

Foto: Thiago-Tarelli-Ministerio-dos-Transportes

No dia 11 de junho, o Ministério dos Transportes divulgou o relatório do Grupo de Trabalho (GT) BR-319, criado “com a finalidade de apresentar estudos e propostas que promovam a otimização da infraestrutura da rodovia, considerando os impactos socioambientais, a segurança viária e medidas de adaptação à mudança do clima no corredor de transporte de que faz parte a BR-319″.  No entanto, como já era de se esperar de uma iniciativa realizada sem a participação de órgãos ambientais e de representantes das populações que serão impactadas pelas obras da rodovia BR-319, o relatório não apresenta um planejamento operacional detalhado para enfrentar os impactos socioambientais com uma possível repavimentação da rodovia.

Assim, o Observatório BR-319 (OBR-319) se uniu ao Observatório do Clima e ao GT Infraestrutura e Justiça Socioambiental, coletivos que, assim como o OBR-319, reúnem organizações da sociedade civil que acompanham o processo de licenciamento da BR-319 para se manifestar por meio de uma nota de posicionamento a respeito do relatório.

A nota foi divulgada no dia 21 de junho e reconhece a importância do relatório em relação às questões em torno das obras de recuperação da rodovia, assim como a abordagem de demandas defendidas há anos pela sociedade civil, como o respeito ao direito à consulta livre, prévia e informada dos povos indígenas e comunidades tradicionais, além da ampliação do número de Terras Indígenas (TI) impactadas nos estudos exigidos pela licença prévia. Outro ponto positivo é a sugestão de criação de uma unidade gestora intergovernamental, para a cooperação integrada de órgãos federais e estaduais, que pode contribuir com a redução do desperdício de recursos públicos e da burocracia.

No entanto, a nota destaca que, liberar uma rodovia sabendo que não há governança ambiental na região, impactará negativamente ações relacionadas ao combate ao desmatamento e queimadas, à proteção de Unidades de Conservação (UC) e às mudanças climáticas, sem falar nos impactos aos povos indígenas e comunidades tradicionais.

“Antes que se fale em repavimentação é preciso ter um plano concreto e recursos que garantam a atuação fortalecida dos órgãos públicos para a devida gestão do território, garantindo a integridade ambiental e os direitos de povos indígenas, comunidades tradicionais e agricultores familiares. A realidade que vemos é que na região de influência da rodovia, não existem recursos suficientes nem para implementação e proteção das Unidades de Conservação já existentes. Estão passando o carro na frente dos bois, falando em repavimentação antes de gestão, e já vimos que, na Amazônia, isso só resulta em destruição da floresta e problemas sociais”, afirmou a secretária-executiva do Observatório BR-319, Fernanda Meirelles.

As organizações que assinam a nota não são contra as obras na BR-319, mas defendem um processo decisório que respeite a legislação brasileira voltada para a proteção do meio ambiente e que priorize um licenciamento ambiental inclusivo, alinhado com os direitos das populações impactadas e com a sustentabilidade socioambiental do Interflúvio Madeira-Purus.

Para as organizações, repavimentar a rodovia sem levar em conta a falta de governança ambiental da região vai impactar negativamente ações de combate a queimadas, desmatamento, mudanças climáticas e proteção de áreas protegidas. Para isso, é necessário que o governo federal assegure recursos financeiros e humanos. A nota também enfatiza que a licença prévia concedida para obras no trecho do meio da BR-319 está judicializada e é nula, não por menos. Os problemas provocados pelas obras na rodovia estão postos há anos por meio dos riscos comprovados à biodiversidade, no avanço e potencialização do desmatamento, na grilagem de terras públicas e outros, que foram ignorados na concessão de licença de pavimentação do trecho da rodovia.

“Não há como dar continuidade ao processo de licenciamento da reconstrução e pavimentação do trecho do meio da BR-319. A licença prévia concedida pelo governo Bolsonaro está eivada de nulidade. Atestou-se a viabilidade ambiental da obra sem qualquer garantia de controle do desmatamento e dos impactos socioambientais, bem como sem a consulta prévia às comunidades locais”, alertou a coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima, Suely Araújo.

Outro ponto de crítica ao relatório é que o documento ignora pareceres e notas técnicas de órgãos competentes a respeito de assuntos socioambientais, como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), sobre as graves consequências que o asfaltamento da BR-319 pode trazer ao meio ambiente. Ao invés disso, o GT sustenta que a BR-319 é “ambientalmente viável”. O grupo também ignorou informações produzidas pela academia e sociedade civil que apontam preocupações ambientais, sociais e econômicas sobre os impactos da recuperação da rodovia.

“Se a opção é pela repavimentação da BR-319, o governo federal deve conduzir um planejamento operacional – com recursos, cronograma e capacidades institucionais – com ações efetivas para enfrentar os riscos e problemas existentes e criar condições efetivas de governança territorial”, destacou o membro da secretaria executiva do GT Infra, Brent Millikan. “Este plano deve incluir ações a serem iniciadas antes das obras, com metas claras, inclusive para servirem de ‘gatilho’ para o início das mesmas. Para avançar nesta direção, o atual GT BR-319 deveria ser ampliado para se tornar um comitê interministerial, envolvendo o comando do governo (Casa Civil/SG/PR) e órgãos chave como MMA/ICMBio/Ibama, MDA/Incra e MPI/Funai, Iphan/MinC – contando com espaço institucional para a participação de representantes da sociedade civil”, completou Millikan.

Participação da sociedade civil  A nota também destaca informações distorcidas no relatório sobre a ampla participação da sociedade civil e dos povos indígenas nas audiências públicas do GT BR-319. A mais grave é a de que um representante do povo indígena Parintintin teria relatado que são favoráveis à rodovia e que houve aprovação dos estudos, apresentados em audiências públicas como requisito para emissão da licença prévia. A informação é negada pela liderança Raimundo Parintintin, que participou da audiência, mas como coordenador-regional da Coordenação Regional Madeira, da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).

O relatório também afirma que não houve contribuições ou apontamentos por parte das organizações da sociedade civil convidadas para as audiências públicas a respeito das obras na BR-319; porém, o convite às organizações foi feito em cima da hora, impossibilitando a participação presencial. O GT também não disponibilizou links para a participação on-line das organizações.

“O relatório técnico elaborado em 90 dias pelo Grupo de Trabalho apresenta lacunas significativas que comprometem a capacidade de abordar e gerir adequadamente os impactos ambientais e sociais de um projeto de tal magnitude”, diz trecho da nota das organizações.

Quem assina a nota O Observatório BR-319, o Observatório do Clima e o GT Infraestrutura e Justiça Socioambiental são coletivos formados por cerca de 150 organizações da sociedade civil com atuação em diversos temas transversais à pauta socioambiental e que atuam na Amazônia.

O OBR-319 é formado por 14 organizações e, desde 2017, atua na área de influência da rodovia BR-319, formada por 13 municípios, 42 Unidades de Conservação (UCs) e 69 Terras Indígenas (TIs), entre os estados do Amazonas e de Rondônia. Esta rede tem o objetivo de produzir informações sobre a rodovia e os processos necessários para a adoção de medidas adequadas à realidade local, para o apoio técnico às populações locais para o manejo sustentável de recursos florestais e pesqueiros, gerando renda, incentivando o fortalecimento da organização sociocultural dessas populações e contribuindo para o desenvolvimento no Interflúvio Madeira-Purus.

O Observatório do Clima, por sua vez, é uma associação civil sem fins lucrativos e econômicos, fundada em 2002, que tem por finalidade a defesa e promoção da segurança climática e do meio ambiente por meio das suas mais de cem organizações membro. Para tanto, desenvolve uma série de atividades, dentre elas a propositura de ações judiciais. Sua atuação na área é pautada pelo rigor técnico, estudos, produção de dados e interlocução com o Poder Público e sociedade civil, sendo uma das organizações de referência no assunto.

Desde 2012, o GT Infraestrutura e Justiça Socioambiental tem atuado como rede de entidades da sociedade civil brasileira voltada para a incorporação da justiça socioambiental em políticas, programas e projetos de infraestrutura, especialmente nos setores de transporte e energia, com destaque para a região amazônica. Sua atuação tem se caracterizado pelo enfrentamento de ameaças de obras de alto risco socioambiental e na reparação de danos de projetos existentes como no apoio a iniciativas inovadoras de boas práticas, protagonizadas por comunidades locais, movimentos sociais e seus parceiros, caracterizadas pela integração das dimensões socioculturais, ambientais e econômicas do desenvolvimento sustentável na sua concepção e implementação.

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