COP28: Fim do petróleo, transição justa e clamor da sociedade civil por participação nas negociações
Texto final da Conferência do Clima nomeia combustíveis fósseis como vilões do clima e direciona países para transição energética
Texto e foto: Camila Garcêz/ Idesam
A cidade luxuosa de Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, sediou a Conferência das Partes sobre Mudanças Climáticas, a COP28, de 30 de novembro a 12 de dezembro. O evento reuniu líderes globais, especialistas ambientais, pesquisadores e representantes da sociedade civil, com o objetivo de fortalecer a cooperação internacional, para enfrentar os desafios climáticos e avançar acordos internacionais para redução das emissões de gases de efeito estufa.
A discussão realizada numa das cidades mais ricas do mundo, cuja economia é centrada na extração de petróleo, foi marcada pela participação ativa de lobistas e negociadores da indústria fóssil. “A gente sabe também que essa COP é uma COP que não quer pautar, por exemplo, a questão dos combustíveis fósseis, porque a gente tem o próprio presidente da COP, que é um lobista, é um empresário do petróleo. O próprio país, né, que a gente está. Então será que a gente está indo mesmo para frente?” destacou Txai Suruí, ativista indígena do estado de Roraima.
O petróleo dominou as discussões nesta Conferência, que foi cercada por diálogos dentro dos painéis nos pavilhões de países e organizações, manifestações contra a exploração do petróleo na Amazônia e a antipremiação que aconteceu todos os dias, chamada ‘Fossil Of The Day’, realizada pela Climate Action Network, que em uma das noites, concedeu o prêmio da vergonha ao Brasil, no dia em que foi anunciada sua adesão à OPEP+, uma extensão da Organização dos Países Exportadores de Petróleo, que regula a comercialização do produto no mundo.

Antipremiação Fossil Of The Day. Foto: Divulgação
Apesar das tensões envolvendo as negociações do texto base de resultados da COP, que só saiu um dia depois da data de encerramento da Conferência. O Balanço Global (GST) do Acordo de Paris fez uma convocação clara para que todos os países busquem a transição para energias limpas, com data limite para até o fim desta década. O texto propõe o ‘phase out’ dos combustíveis fósseis, indicando uma eliminação gradual desses recursos. Pela primeira vez, depois de 30 anos, o verdadeiro vilão e campeão de emissões foi exposto no texto oficial da COP.
Para Marina Silva, ministra do Meio Ambiente e principal liderança brasileira nas negociações, o compromisso assumido no texto, redireciona as ambições e responsabilidades com a mitigação, adaptação e meios de implementação alinhados à meta de redução das emissões de gases de efeito estufa, para que o aumento da temperatura global permaneça naquele, acordado no Acordo de Paris, de 1,5°C.
“Nós estamos felizes com a decisão do estabelecimento de uma troca (entre países), para fazermos nestes dois anos o que a ciência nos diz ser a última janela de oportunidade para redirecionar nossas ações para 1,5 °C. Não podemos sair daqui sem a firme decisão de enfrentar o debate sobre o ritmo lento da descarbonização do planeta e trabalhar por uma economia menos dependente de combustíveis fósseis. A nossa próxima tarefa é alinhar os meios de implementação necessários, assegurando a fundamental premissa da transição justa. É fundamental que os países desenvolvidos tomem a dianteira na transição rumo ao fim dos combustíveis fósseis e assegurem os meios necessários para os países em desenvolvimento poderem implementar suas ações de mitigação e adaptação”, frisou.
O problema do desmatamento e exploração ilegal de madeira na Amazônia
No Brasil, o desmatamento é o maior responsável pela emissão de gases do efeito estufa. Mas neste sentido, em 2023, tivemos boas notícias com a redução do desmatamento em 22%, em relação ao ano passado. Apesar disso, durante a COP28, a rede Simex (Idesam, Imazon, Imaflora e ICV), divulgou o “Mapeamento da exploração madeireira na Amazônia”, que mostrou que mais de 100 mil hectares de florestas da Amazônia foram explorados ilegalmente para a extração de madeira, de agosto de 2021 a julho de 2022.
A área explorada ilegalmente é maior que a cidade de Belém, no Pará, e corresponde a 27% do total registrado. O levantamento revela que, dos 396 mil hectares explorados na região amazônica durante o período analisado, 73% foram autorizados pelos órgãos ambientais, enquanto 27% foram explorados de maneira ilegal. Quando comparado ao mesmo estudo 2020-2021, a ilegalidade diminuiu relativamente, sendo neste período um índice de 38% de exploração florestal ilegal. Precisa melhorar, mas estamos no caminho.
E este percurso é longo até os acordos desta COP serem cumpridos. As discussões nos painéis sobre a transição justa, destacaram não apenas a mudança na exploração de combustíveis fósseis em direção a energias mais limpas, mas tratavam também do acesso aos povos que vivem na floresta à uma economia que seja inclusiva e sustentável.
O desenvolvimento econômico da Amazônia, historicamente é baseado no desmatamento, é baseado na exploração dos bens da natureza que culmina na perda de florestas pelo desmatamento ilegal e também na desigualdade social. E é dentro deste cenário que o Idesam desempenha um papel fundamental, conectando as discussões sobre clima e justiça climática, com quem cuida de verdade da floresta, com as populações ribeirinhas, principalmente. A própria Teoria da Mudança, que é peça fundamental para o trabalho do Idesam, destaca a importância de melhorar a qualidade de vida da população, promover o desenvolvimento socioeconômico, conservar o meio ambiente e enfrentar as mudanças climáticas, de maneira integrada.
Participação Ativa da Sociedade Civil
A COP28 também contou com a participação ativa e significativa da sociedade civil. Organizações não governamentais (ONGs), grupos ambientalistas e representantes de comunidades afetadas tiveram espaço para compartilhar suas preocupações, propostas e soluções.
Fóruns e mesas-redondas foram dedicados à interação entre líderes governamentais e membros da sociedade civil, promovendo um diálogo inclusivo e aberto. Essa abordagem colaborativa proporcionou uma compreensão mais profunda dos impactos locais das mudanças climáticas e permitiu a formulação de políticas mais adaptadas às necessidades específicas de diferentes regiões.
Cada dia da Conferência foi temático e neste ano, no dia 05 de dezembro, aconteceu o primeiro Dia Oficial dos Povos Indígenas na história das COPs. O evento iniciou com uma marcha, liderada por mulheres indígenas da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), e culminou em uma série de eventos no pavilhão Brasil, no pavilhão oficial dos Povos Indígenas e demais pavilhões de países e organizações que debatem o tema de povos originários.

Marcha das Mulheres Indígenas na COP28. Foto: Mídia Ninja
Durante esse dia histórico, a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, assumiu a representação do Estado brasileiro, substituindo o presidente Lula, que estava em viagem à Alemanha com Marina Silva. Esta foi também a primeira vez que uma mulher indígena liderou uma delegação brasileira em uma COP. Sônia Guajajara destacou a expressiva participação indígena, com cerca de trezentos representantes presentes no evento.
“É histórico, estamos aqui para mostrar que a nossa resistência nos fez ocupar esse espaço. Antes éramos dois ou três e é bonito de ver que somos a maior delegação brasileira e a maior delegação indígena da história. Mas não estamos aqui apenas para falar com os nossos, estamos aqui para conversar com negociadores e colocar os povos originários no centro da discussão pelo clima”, disse Sônia.
A participação indígena não ficou apenas na data, mas também esteve presente no documento final da COP, o GST, sendo os povos indígenas mencionados nos temas de adaptação, implementação e cooperação internacional. Apesar disso, a principal reinvindicação indígena e da sociedade civil como um todo, foi por maior participação naquilo que mais importa em uma COP: as negociações, que eram bastante restritas.
Desafios e Próximos Passos
Apesar dos avanços notáveis na COP28, persistem desafios significativos. A urgência de financiamento para países em desenvolvimento, a gestão de resíduos e a transição justa para economias de baixo carbono são temas que ainda demandam discussões intensas entre os países e, sobretudo, investimento financeiro.
Os resultados da COP28 estabeleceram um sólido alicerce para ações futuras, mas a implementação efetiva dos compromissos assumidos será muito importante para alcançar as metas estabelecidas. A continuidade do diálogo entre governos, sociedade civil e setor privado será fundamental para garantir que as decisões tomadas na conferência se traduzam em medidas práticas e tangíveis, pelo menos até a COP30, que será realizada em Belém, no Pará, e marcará os dez anos do Acordo de Paris.
A COP28 também refletiu a necessidade de ações concretas e colaborativas para enfrentar a crise climática e o envolvimento ativo da sociedade civil destaca a importância de incluir diversas vozes na formulação de soluções, garantindo que as decisões tomadas tenham um impacto positivo duradouro no nosso planeta.
Créditos gerais:
Esta foi uma produção jornalística apoiada pelo projeto Get Ready For The COP28, da ONG Saúde e Alegria e da DW Akademie, que levou 10 jornalistas da Amazônia para a cobertura do maior evento de discussão climática do mundo, a COP28, realizada este ano em Dubai.
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