Mulheres que lideram a restauração ecológica na Amazônia
Com seu trabalho incansável, elas constroem um futuro mais verde e justo para a região
Texto: Henrique Saunier
Fotos: Henrique Saunier e Ricardo Zugo
Na Amazônia, as mulheres assumem o protagonismo na restauração ecológica, liderando ações que visam recuperar áreas degradadas, ao mesmo tempo em que geram renda para o sustento de suas famílias. As iniciativas se alinham com um dos objetivos globais da ONU para o Desenvolvimento Sustentável – o de Igualdade de Gênero – e são permeadas por histórias que exemplificam com a vivência real na Amazônia os desafios que ainda precisam ser superados por essas mulheres.
Estudante de letras no município de Presidente Figueiredo-AM – para onde precisa fazer uma verdadeira peregrinação de lancha para assistir as aulas presenciais – Jaqueline Gomes, é uma produtora rural moradora da comunidade Maracarana, um exemplo de resiliência e amor pela Amazônia. Nascida e criada na comunidade, ela aprendeu desde cedo a importância da floresta e a necessidade de cuidar dela, mas esse sentimento se intensificou ainda mais no período em que a RDS do Uatumã enfrentou fortes queimadas.

(Jaqueline Gomes da comunidade Maracarana, na RDS do Uatumã/Foto: Ricardo Zugo)
‘’Quando vi o fogo consumindo nossa região, meu pensamento mudou. Eu me questionava para que essas pessoas estão focadas nisso (restauração florestal) se não vai valer a pena. Esse era o meu pensamento. E quando foi ano passado, esse pensamento mudou, por que o Idesam de uma forma ou de outra ele luta pela sobrevivência da natureza. E aí quando eu vi fogo, principalmente aqui no nosso local, no rio Uatumã, isso me esmoreceu muito, porque eu podia ter feito algo. Isso fez com que nascesse esse amor dentro de mim e aí eu decidi que queria um SAF’’, lembra a produtora, falando da decisão de ingressar no projeto de restauração do Idesam ao investir no seu Sistema Agroflorestal (SAF), que entre outros benefícios, permite a produção consorciada de diferentes espécies que podem ser exploradas comercialmente.
Jaqueline destaca a importância de valorizar o conhecimento tradicional e de envolver a comunidade na preservação da floresta, revelando ainda um pouco do conhecimento repassado pelas mulheres da sua vida. ‘’Se eu não preservar hoje, os filhos do meu filho não vão saber o que é um tracajá, por exemplo. A vovó diz que da onde só se tira e não se põe, não tem retorno e a árvore vale muito mais em pé do que caída’’, salienta Jaqueline.
Reconhecendo o papel fundamental das mulheres nessas iniciativas, o Idesam promove capacitações e ações que incluem o público feminino nas mais diversas esferas; uma delas foi realizada como parte do projeto de Restauração Ecológica Produtiva, dentro do edital Floresta Viva, que reuniu em Manaus, em dezembro de 2024, famílias da RDS do Uatumã para um intesivo curso de uma semana inteira sobre sementes. Além disso, o Programa Carbono Neutro Idesam busca envolver as mulheres em todas as etapas do processo, desde a coleta de sementes até a comercialização dos produtos, algo que vem sendo a tônica desde a criação do programa.
A guardiã das mudas que reflorestam a Amazônia
Claudirleia Gomes, com sua força e determinação, toca a administração do seu viveiro de mudas na RDS do Uatumã, agregando sua experiência de quem vive na região desde 1992, e conhece os desafios e as belezas da floresta como poucos. Ela ‘herdou’ o viveiro de mudas de sua filha, que também cuidava com muita responsabilidade do local, mas precisou ir atrás de outras oportunidades fora da reserva.
Para ela, desafios como a seca, a falta de mão de obra e a dificuldade em coletar sementes são presentes no dia a dia, mas sua paixão pela floresta a impulsiona a seguir em frente. ‘’Fora da estiagem, você tem água abundante, e é mais fácil. Mas está dando certo, a batalha é grande, mas os resultados são muito bons e só temos a melhorar’’, conta Claudirleia de maneira otimista.
Entre as melhorias, ela sonha em ampliar o viveiro e instalar um sistema de irrigação por bailarina, para facilitar o trabalho e garantir a qualidade das mudas. ‘’A vontade é aumentar para a capacidade de produção de até 10 mil mudas, e vou lutar para isso’’, revela.

(Viveiro de Mudas de Claudirleia Gomes/ Foto: Henrique Saunier)
A cientista que planta esperança
A bióloga Jayne Calabazas, com sua paixão pelas plantas e olhar curioso, trilha um caminho inspirador na restauração ecológica. Desde a graduação, ela se dedica ao estudo de sementes e plântulas da floresta, e hoje, no Idesam, leva seu conhecimento para as comunidades da RDS do Uatumã.
‘’Desde a época da graduação, trabalhei com plantas, primeiro com sementes, depois passei para plântulas, que é a segunda fase, depois da germinação das sementes’’, conta Jayne, que fez mestrado no INPA (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia), trabalhou também com solos da região da Amazônia e com o plantio de Sistemas Agroflorestais, atividade que agora ela acompanha de perto nos projetos de restauração do Idesam.
Com toda sua expertise, Jayne é responsável pelo acompanhamento técnico da iniciativa do Idesam que abrange a recuperação de 200 hectares de floresta no Amazonas, sendo 50 hectares dedicados especificamente a SAFs, em 52 áreas de plantio distribuídas por 12 comunidades da região da RDS do Uatumã.

(Plantio realizado em fevereiro de 2025 na RDS do Uatumã/ Foto: Henrique Saunier)
‘’As comunidades são muito calorosas, dá empolgação de trabalhar com eles, porque eles são muito curiosos. Tivemos capacitação na fazenda da UFAM, com todos que foram daqui (RDS do Uatumã) super integrados, querendo saber mais, curiosos, querendo outras capacitações também. Isso dá um gás para trabalhar. A pessoa está interessada, então ela realmente vai fazer, ela vai cuidar. Então nosso trabalho vai valer a pena também, que estamos vendo o esforço deles e vamos ver que tem resultado’’, ressalta Jayne.
Jayne destaca que a Amazônia é gigantesca, então cada expedição para acompanhar o processo de plantio é uma oportunidade de aprendizado. ‘’Sou amazonense, então manter a floresta viva para mim é manter minhas raízes, manter minha história. É continuar preservando aquilo que temos aqui para não deixar isso ao léu e esperar que outros venham tomar todas as nossas coisas, que é a beleza natural da Amazônia. É o que me motiva a ficar aqui e trabalhar pela Amazônia’’, reforça a bióloga.
Já Victoria Bastos, que atualmente coordena a Iniciativa de Serviços Ambientais no Idesam, revela a importância do engajamento feminino nas iniciativas de restauração. “Muitas vezes, a conversa inicial se dá com quem seria o ‘chefe da família’, no caso o homem”, explica Bastos. “Mas logo percebemos o envolvimento e o engajamento das mulheres e filhas, da geração que ocupa aquele território, trabalhando para que as iniciativas tenham sucesso”, completa.

(Victoria Bastos coordena a Iniciativa de Serviços Ambientais no Idesam/ Foto: Arquivo Pessoal)
Para Victoria Bastos, a liderança feminina é crucial para o sucesso dos projetos, pois as mulheres muitas vezes são as principais responsáveis pelas atividades. “A manutenção, o cuidado, a organização, muitas vezes é feita pela mulher mesmo, pela liderança feminina, da família ou da comunidade”, afirma.
A coordenadora também ressalta que as questões de gênero precisam ser levadas em consideração nessas iniciativas. “É importante sempre agregar as lideranças femininas também para chefiar essas iniciativas, entendendo que muitas vezes a restauração ela tem um papel também produtivo”.
Apesar de distintas, as histórias de Victoria, Jayne, Claudirleia e Jaqueline são exemplos da força que as mulheres trazem para esse processo de restauração da Amazônia. Com seu trabalho incansável, elas constroem um futuro mais verde e justo para a região, através de iniciativas que buscam fortalecer o papel das mulheres na restauração ecológica produtiva, reconhecendo sua importância na construção de um presente sustentável para que seja possível a existência de um futuro.
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