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BR-319: ‘A ausência de consulta aos povos tradicionais gera mortes’, diz procurador

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BR-319: ‘A ausência de consulta aos povos tradicionais gera mortes’, diz procurador

Segundo o Inpa, serão 63 Terras Indígenas e cerca de 18 mil indígenas impactados

Por WWF-Brasil (Publicado originalmente por Amazonas1)

“A falta de consulta gera conflitos e causa mortes”, disse o procurador da República Fernando Merloto, do MPF-AM (Ministério Público Federal do Amazonas), durante um cinedebate promovido pela WWF Brasil, na última sexta-feira (28).

Na ocasião, o procurador falava sobre o processo de licenciamento da BR-319 (Manaus-Porto Velho). Apesar de ter um estudo de componente indígena sob análise no Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis), o Denit (Departamento Nacional de Trânsito) não ouviu os povos originários que serão afetados caso a pavimentação total da rodovia saia do papel.

Segundo o Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia), serão 63 Terras Indígenas e cerca de 18 mil indígenas impactados.

Demanda das populações

O cinedebate “Infraestrutura na Amazônia e invisibilidade dos povos indígenas” foi promovido pelo WWF-Brasil junto ao MPF-AM e ao Idesam (Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia). Ele teve como objetivo discutir o grande passivo social e ambiental que existe na construção de grandes obras na Amazônia – de maneira geral, todas as estradas, portos e hidrelétricas construídas na região não ouviram ou incorporaram em seus planejamentos as demandas das populações tradicionais e povos indígenas.

Assim, além dos impactos ambientais, esses empreendimentos causam também efeitos sociais profundos – como remoções de comunidades inteiras, destruição de sítios arqueológicos ou de importância cultural, desestruturação de modos de vida tradicionais, além do aumento de situações com ameaças, violência diversas e até extermínio.

O procurador Fernando Merloto lembrou de vários casos em que isso aconteceu: a construção de rodovia BR-174 (Manaus-Boa Vista), na década de 1970, dizimou cerca de 90% da população Waimiri Atroari; o caso da empresa Potássio do Brasil, que tem uma relação tensa com os Mura, em Autazes (AM); e a construção de Belo Monte, no Pará.

“Nós cidadãos podemos cobrar que nossos governadores e prefeitos façam essas consultas. O que trava essas obras não são as populações tradicionais. É a ausência do governo em realizar o que ele prometeu, de ouvir e dialogar com essas populações”, disse o procurador.

Lotear e vender

“Até o momento o governo federal não chamou os povos indígenas para uma discussão. Os povos que vivem à beira dessa estrada não foram consultados”, disse o coordenador da Organização das Lideranças Mura do Careiro da Várzea (OLIMCV), Herton Mura. Ele acompanha de perto o processo de licenciamento da BR-319. 

“A gente sente na pele a necessidade dessa consulta. Mesmo que a estrada não esteja completamente asfaltada, nós já sentimos os impactos dela. É a chegada da criminalidade, da prostituição nas nossas terras”, disse o coordenador.   

Herton contou ainda que a promessa de pavimentação da rodovia tem atraído muitas pessoas para o Sul do Amazonas. “Mas não são produtores interessados em escoar sua produção. São fazendeiros, grileiros, é gente que está de olho no território para lotear e vender essas terras”, disse. 

Transparência
Para a analista de Políticas Públicas do Idesam, Fernanda Meirelles, existem várias questões preocupantes na discussão que ocorre hoje sobre a BR-319. 

Uma delas diz respeito ao tamanho da região impactada pelas obras. Oficialmente, as Terras Indígenas situadas a até 40 quilômetros da rodovia sofrerão consequências. No entanto, historicamente as rodovias na Amazônia tem um raio de influência bem maior. No caso da própria 319, alguns especialistas trabalham com até 150 quilômetros como indicador. 

A consulta livre, prévia e informada aos povos indígenas da região – prevista na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário – ainda não ocorreu, e esse é o segundo problema, segundo Fernanda. 

Outro ponto de atenção vem a ser a falta de transparência no processo de licenciamento. “Quem estuda esse tema tem dificuldades de ter acesso aos documentos e acompanhar os desdobramentos desse processo. Como garantimos que os povos indígenas e tradicionais do Sul do Amazonas consigam ter acesso ao processo? É outra discussão séria”, disse Fernanda. 

Voz ativa
O analista de Políticas Públicas do WWF-Brasil Bruno Taitson fez o papel de moderador do debate: “É preocupante ver que os povos indígenas que estão próximos da área de influência da BR-319 não foram apresentados ao projeto de forma nenhuma. Todo governo que se pauta pela transparência gosta de processos claros e regras claras. Então em tese, deveria adotar os protocolos de consulta”, disse Bruno. Os protocolos são documentos elaborados pelos povos indígenas em que eles documentam de que maneira querem ser ouvidos em discussões com as que envolvem impactos de infraestrutura.  

A BR-319 é uma das obras mais polêmicas da Amazônia. Ela foi inaugurada em 1976 e abandonada em 1988, devido à falta de manutenção. Vários grupos fazem lobby junto ao Governo Federal e ao Parlamento, pedindo pelo asfaltamento total da rodovia, alegando dificuldades de circulação de pessoas e produtos, principalmente no Sul do Amazonas. Ela possui 885 quilômetros e, desde sua criação, já foram investidos mais de R$ 150 milhões entre reformas e estudos. 

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