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Mineração ilegal força suspensão do primeiro projeto de REDD+ indígena do mundo

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Mineração ilegal força suspensão do primeiro projeto de REDD+ indígena do mundo

Com informações de Mongabay
Tradução de Felipe Sá
 

Como primeiro esforço de conservação liderado por indígenas a ser financiado pela venda de créditos de carbono, o Projeto de Carbono Florestal Suruí (PCFS) diminuiu drasticamente o desmatamento e apoiou programas de desenvolvimento sustentável na Terra Indígena Sete de Setembro (TISS), mas um aumento dramático nas atividades de mineração ilegal ao longo da região onde a TISS está localizada forçou o povo indígena Paiter-Suruí e seus parceiros a suspenderem o programa indefinitivamente.

A Verified Carbon Standard (Verra/VCS) utilizará sua reserva técnica  (“buffer pool“) para garantir a integridade ambiental das compensações de carbono já vendidas durante o período de avaliação do projeto. O PCFS, gerou lições aprendidas fundamentais para promover esforços atuais e futuros de redução de desmatamento ao redor do mundo.

 

Contexto

Os Paiter Suruí lançaram o PCFS em 2009 para reduzir o desmatamento em seu território, começando pelo engajamento de ONGs socioambientais e consultores de carbono florestal para estimar a taxa de desmatamento que ocorreria caso as pressões e dinâmicas relacionadas as mudanças no uso da terra no território, permanecessem as mesmas (business as usual). Através de um trabalho de pesquisa realizado no âmbito da pós graduação do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) com a francesa AgroParis Tech, eles desenvolveram um modelo chamado SimSuruí, que levou em consideração as taxas históricas de desmatamento e as pressões dominantes dentro da TISS, como extração ilegal de madeira e agricultura não regulada, além de características geográficas como topografia, proximidade de estradas e o status da floresta existente.

Eles então criaram um “plano de gestão” que visava salvar tanto a floresta quanto seu modo de vida tradicional, em parte promovendo modos de vida sustentáveis que não impulsionam o desmatamento, como criação de pequenos animais, extrativismo, agricultura de menor impacto (tradicional) e produção de artesanato. Para catalisar essas atividades, eles criaram uma proposta para gerar compensações de carbono evitando o desmatamento sob um mecanismo, que então estava em ascensão, conhecido como REDD+ (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação, somado ao manejo florestal sustentável).

Eles submeteram a proposta a organizações científicas e da sociedade civil para análise de terceiros sob o processo da VCS, que chegou a um consenso de que, se as tendências prevalentes fossem mantidas, pelo menos 13.575 hectares dos 248.147 hectares do território indígena seriam desmatados nos próximos 30 anos, emitindo 7,8 milhões de toneladas métricas de dióxido de carbono na atmosfera.

Os Paiter Suruí votaram então para implementar uma moratória sobre a extração ilegal de madeira e suspender outras atividades que impulsionam o desmatamento na esperança de obter compensações de carbono por manter as taxas de desmatamento abaixo da linha de base.

 

Resultados

O projeto reduziu drasticamente o desmatamento dentro da TISS nos primeiros cinco anos de operação, mesmo quando as taxas nos territórios vizinhos quase dobraram. Apesar das repetidas incursões de empresas madeireiras ilegais e da relutância das autoridades federais e locais em processar os responsáveis, o projeto teve um início positivo.

Durante esse período, o projeto gerou 299.895 compensações de carbono certificadas sob o VCS, com cada compensação representando uma tonelada métrica de emissões reduzidas de dióxido de carbono. As reduções totais tiveram o mesmo impacto ambiental que tirar 64.000 carros das ruas durante um ano, e 48.366 das compensações foram colocadas em uma reserva técnica (“buffer pool“) do VCS, que agrega compensações de vários projetos para garantir que reversões em qualquer projeto individual seja devidamente mitigado.

Os Paiter Suruí venderam as demais 251.530 compensações para entidades que as usaram para reduzir suas próprias pegadas de carbono, com os recursos da venda sendo usados para catalisar seis iniciativas de desenvolvimento comunitário sustentável e treinar quase duas dúzias de agentes  indígenas ambientais para conduzir biomonitoramento e expedições de vigilância dentro do território.

 

Desafios

Em 2011, os agentes ambientais dos Paiter Suruí, operando em nome do projeto, identificaram novas estradas madeireiras que conectavam serrarias próximas e, em 2012, o Parlamento Paiter Suruí apelou formalmente à presidente Dilma Rousseff e a Marta Azevedo, então presidente da autoridade indígena federal (FUNAI), para intervir. Esses recursos foram ignorados, mas o projeto continuou a reduzir o desmatamento até 2014, quando depósitos de ouro e diamantes foram identificados no território.

Em fevereiro de 2015, a Associação Metareilá do Povo Indígena Surui, uma das organizações comunitárias que representa os Paiter Suruí, documentou e relatou várias instâncias de mineração ilegal (garimpo) para as autoridades, mas desta vez as pressões mostraram-se intransponíveis – em parte porque um pequeno contingente de membros dos Paiter Suruí que pactuaram com mineiros usou a renda das atividades ilegais para comprar gado e aumentar as pastagens dentro da TISS, mas também, como documentou o The Guardian em 2017, porque religiosos e anti-desenvolvimentistas extremistas se alinharam com esse contingente pró-mineração dentro dos Paiter Suruí em um esforço equivocado para “salvar” o povo da devastação da economia de mercado.

Como a perda excede as 48.366 compensações que os Paiter Suruí contribuíram para o buffer pool da VCS, o mesmo está aposentando compensações adicionais para garantir a integridade ambiental do projeto.

 

Conclusões

Sozinho, um homem não pode parar um maremoto, e o financiamento de carbono não pode acabar com o desmatamento ilegal por conta própria. O PCFS evidentemente retardou o aumento do desmatamento ilegal na TISS, mas não conseguiu evitá-lo sem o apoio regulatório e sem que os órgãos públicos responsáveis pela proteção do território atuassem para conte-lo, uma vez que os territórios indígenas da região sofreram um desmatamento recorde em 2017.

Ao mesmo tempo, a introdução de novos vetores de desmatamento ilegal destaca o desafio de equilibrar a necessidade de estabelecer uma linha de base conservadora para garantir a integridade ambiental, com a necessidade de refletir com precisão as circunstâncias em mudança e criar incentivos para esforços contínuos para combater pressões emergentes, como o relatório de perdas da VCS deixa claro.

“As atividades de mineração na Terra Indígena Sete de Setembro são recentes e não foram registradas até 2015 como um de seus vetores de desmatamento”, conclui o relatório. “Portanto, o modelo de desmatamento que compôs o cenário de referência do projeto – baseado nas dinâmicas e taxas históricas de desmatamento verificadas na TISS antes da data de início do projeto – não incluiu atividades relacionadas ao garimpo de minerais de alto valor”.

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