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Prospecção de projetos de carbono na Amazônia

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Prospecção de projetos de carbono na Amazônia

Por Luan Samarone, pesquisador do Programa Mudanças Climáticas (PMC)

Entre o final de julho e início de agosto fiz duas viagens a campo para conhecer organizações consideradas referência de produção em Sistemas Agroflorestais (SAFs) na Amazônia.

Com isso, buscávamos entender as dinâmicas locais e fazer um diagnóstico de campo, encomendado pela Natura, para estimar o potencial para implantação de projetos de carbono nas áreas dessas organizações, que são fornecedoras da empresa de cosmáticos.

A primeira viagem foi ao Projeto Reflorestamento Econômico Consorciado e Adensado (RECA) (http://www.projetoreca.com.br/site/) que tem sede em Nova Califórnia, um pequeno distrito de Porto Velho (RO). A região faz fronteira com os Estados do Acre e Amazonas, e, apesar de ser um distrito da capital do Estado, dista cerca de 350 km da sede de Porto Velho.

Acompanhado pelos pesquisadores André Vianna e Adalberto Vicente, também do Idesam, cheguei à pacata vila de Nova Califórnia no fim da tarde do dia 30, uma terça-feira, quando a calmaria do lugar escondia a agitação dos dias seguintes.

Na manh? do dia 31 fomos muito bem recebidos na sede do RECA, onde já havia grande movimentação de produtores para reunião que seria realizada conosco. A curiosidade e desconfiança estavam estampadas no rosto da maioria, que chegou cedo para saber como, de fato, o tão falado, porém desconhecido “carbono” poderia ser útil pra melhorar a vida.

Com a presença de mais de 50 produtores e a diretoria do RECA, tivemos uma manhã bem produtiva, onde apresentamos o Idesam, os projetos de carbono que desenvolvemos, e ainda pudemos iniciar a coleta de dados com os produtores.

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Os dias seguintes foram de visitas às propriedades de vários associados do RECA. Em cada conversa era perceptível o orgulho que tinham em mostrar cada plantio e contar a história de cada árvore. Apesar de pertencerem a uma mesma associação, estarem na mesma região e receberem assistência técnica semelhante, os SAFs são os mais variados possíveis.

O principal produto local é o cupuaçu, seguido pela pupunha e o açaí. Outros produtos também são produzidos pelo RECA, dentre eles castanha, bacaba e essências florestais. O fato de boa parte da produção ser de produtos oriundos de palmeiras, faz com que os SAFs não sejam tão adensados quanto os de espécies lenhosas.

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Apesar disso, dentro da grande variedade de arranjos dos SAFs, existem aqueles mais antigos – com cerca de 20 a 25 anos – que já possuem árvores enormes e formam um sistema bem parecido com uma floresta.

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Outro ponto relevante dos plantios do RECA à o bloqueio que eles representam para o avanço da implantação de pastagens na região.

A maioria dos SAFs da associação foram estabelecidos em áreas que antes eram pasto, o que representa um ganho ambiental significativo. Além disso, a produção em SAFs evita que novas áreas de floresta e capoeira sejam convertidas em pastagem.

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Limite entre propriedade de um associado do RECA (à direita) e um não associado (esq.).

Em linhas gerais, esse é o RECA, uma associação exemplo de como uma organização social liderada pelos próprios produtores e baseada no cooperativismo pode se desenvolver e ser conhecida nacionalmente.

Com mais de 2.700 hectares de SAFs plantados, uma agroindústria de polpa de frutas, extração de óleos, palmito, doces, licores, e até uma escola para capacitação técnica dos filhos dos produtores (EFA – Escola Família Agrícola), a iniciativa já recebeu diversos prêmios, inclusive internacionais. E agora só tende a crescer.

Após oito horas de espera no aeroporto de Porto Velho (por problemas no avião), chegamos em Manaus às 22 horas de sábado, dia 3 de agosto.

***

Mal chegamos em casa e, no dia seguinte (4), às 8 horas da manhã, já estávamos embarcando para Belém (PA), de onde partiríamos para a segunda organização visitada, a Cooperativa Agrícola Mista de Tomé-Açu (CAMTA) (http://www.camta.com.br/). A equipe do Idesam, dessa vez, era formada por mim e Gabriel Carrero, coordenador do PMC.

Localizada no município de Tomé-Açu (PA), a 200 km da capital, a cooperativa nasceu na década de 30, depois da Primeira Guerra Mundial, com a chegada das primeiras famílias de imigrantes japoneses na região.

A CAMTA foi fundada pelos imigrantes japoneses como uma cooperativa de hortaliças, porém enfrentou uma forte crise econômica juntamente com a incidência de várias doenças tropicais. Nessa época foi introduzida a pimenta-do-reino trazida por eles de Cingapura e que, literalmente, foi “a salvação da lavoura”.

A região se tornou uma das maiores produtoras do chamado “diamante negro” no mundo. Contudo, no final da década de 60 surgiram doenças que dizimaram vastas plantações da piperácea (família que inclui as diversas variedades de pimentas).

A partir dos anos seguintes, temendo os riscos da monocultura, adotou-se o plantio consorciado de espécies florestais e agrícolas dentro dos pimentais. Surgem então os Sistemas Agroflorestais de Tomé-Açu, conhecidos como “SAFTAs”.

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O SAFTA é a atividade base da cooperativa, que movimenta hoje cerca de R$ 19 milhões empregando um número considerável de pessoas na produção e exportação de polpas de mais de 10 frutas, sendo as principais o cacau, o cupuaçu e o açaí.

Após apresentar o IDESAM e os objetivos do estudo à diretoria da Cooperativa, iniciamos as visitas nas propriedades para conhecer e entender um pouco mais sobre o funcionamento delas. Diante da grandeza dos SAFTAs era difícil imaginar que aquelas verdadeiras florestas um dia já foram áreas de monocultura e até mesmo áreas degradadas.

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Os cooperados da CAMTA geralmente seguem a orientação de plantar primeiro somente a pimenta e, apenas depois, no decorrer dos anos, acrescentar outras espécies, como ingá, maracujá, cupuaçu e assim por diante, formando o SAFTA.

Os Sistemas criados em Tomé-Açu ocupam cerca de 2.500 hectares na região. As espécies comumente utilizadas são: cacau, maracujá, mogno, banana, cupuaçu, ingá, paricá, castanha, gliricidia, cedro, dentre outras.

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Al?m dos SAFTAs, a CAMTA possui uma agroindústria de polpas que processa toda a produção dos seus cooperados e outros produtores, totalizando mais de 7 mil toneladas por ano.

Eles também dispõem de um galpão para beneficiamento da pimenta e uma área de compostagem, onde todos os resíduos da fábrica de polpas são transformados em composto orgânico e devolvidos às áreas de plantio dos cooperados.

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Composteira da cooperativa

A parte organizacional é um dos pontos fortes da CAMTA, além da equipe técnica capacitada para atender os cerca de 150 produtores cadastrados. A cooperativa possui ainda um viveiro de mudas direcionado principalmente aos cooperados, mas que também atende a demandas externas, mesmo que em menor escala e frequência.

Depois de duas semanas em campo a missão agora é processar todas essas informações coletadas durante a viagem e concluir se existe ou não potencial para implantação de projetos de carbono nos locais visitados e quais seriam esses projetos.

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