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“Sucesso de iniciativas ambientais depende de participação da população local”

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“Sucesso de iniciativas ambientais depende de participação da população local”

Acompanhar de perto o trabalho que o Idesam e a WWF desenvolvem no município de Apuí (AM), para a sua dissertação de mestrado, rendeu ótimos frutos ao economista e mestre em Sociologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRS), Pedro Frizo. Sob o título de “Os Fundamentos Institucionais para o Gerenciamento dos Bens Comuns na Amazônia Central”, sua pesquisa visa mostrar como a implementação efetiva de projetos de conservação ambiental depende diretamente da integração de aspectos culturais e sociais, levantando questões históricas, econômicas, sociais e culturais importantes à população de Apuí.

Para chegar neste resultado final, Frizo realizou mais de 45 entrevistas e questionários com parceleiros, agentes das ONGs, agentes financeiros e públicos, além de vivenciar presencialmente a realidade local por algumas semanas. Durante a realização do trabalho, o pesquisador contou com apoio do Programa de Ensino, Pesquisa e Extensão em Produção Rural Sustentável – PEPEPRS, do Idesam.

Se preparando para receber, no fim deste mês, o prêmio de Melhor Dissertação em Sociologia Rural, conferido pela Sociedade Brasileira de Economia e Sociologia Rural (Sober), Frizo concedeu uma entrevista sobre sua experiência e quais suas expectativas em torno da pauta da “sustentabilidade” na Amazônia, acentuando o descaso do poder público com o tema.

 

Por Henrique Saunier

 

IDESAM – Pela sua dissertação é possível perceber que o engajamento das pessoas não depende apenas de uma ‘consciência ambiental’, mas de diversos outros fatores, incluindo pressões políticas. Na sua percepção, qual o principal desafio atualmente para esse engajamento?

PEDRO FRIZO – Talvez um dos resultados mais importantes da pesquisa foi entender como os atores em campo possuem diferentes concepções sobre “sustentabilidade”. Enquanto os agentes das ONGs têm uma visão mais atrelada à ideia de “uso e conservação” dos recursos naturais, os chamados “parceleiros” (pessoas que ocupam uma determinada parcela originalmente concebida pelo Incra para o projeto de assentamento) possuem uma noção diretamente associada à ideia de “sustento material”.

É muito difícil, a partir dessa divergência, manter a proposta sustentável em um discurso estritamente ambiental e conservacionista, já que parceleiros e ONGs possuem diferentes concepções sobre a utilidade, fins e meios de manipulação dos recursos naturais. Emergem, a partir dessa divergência, diferentes abordagens para o convencimento dos atores apuienses a adotarem práticas agroflorestais e silvipastoris.

O apelo à economia da conservação e à conformidade legal das normas ambientais, por exemplo, aparecem como estratégias construídas ao longo do tempo para o engajamento. Dessa forma, acredito que um importante desafio ao engajamento crescente da população com as práticas sustentáveis é veiculá-las como práticas intimamente associadas à resolução dos problemas e questões mais imediatas dos agentes envolvidos no desmatamento.

 

I – Sua pesquisa mostra que a descontinuidade de políticas ambientais pode afetar diretamente o trabalho das ONGs, justamente em locais onde o poder público tem mais dificuldade de implementar ações eficazes. Você consegue enxergar alguma alternativa para essa problemática?

PF – O Estado é um ator essencial para o controle do desmatamento, não somente por ser responsável pela institucionalização de regras e normas que reduzam o ritmo de abertura de novas áreas, como também na implementação de políticas públicas que apoiem iniciativas locais de conservação e preservação ambiental. O contexto atual na política brasileira, iniciado principalmente após o golpe de 2016, é extremamente desfavorável às ONGs e às outras iniciativas da sociedade civil que visam controlar e diminuir o desmatamento da Amazônia.

Temos observado a redução no orçamento de diferentes órgãos estatais de apoio à agricultura familiar, a qual se constitui como importante frente de avanço de práticas agropecuárias sustentáveis, bem como a tentativa de redução das áreas de unidades de conservação. Nesse sentido, em um primeiro momento, a solução mais iminente e crucial é a pauta ambientalista recuperar o seu papel de protagonista na agenda governamental, em especial a nível federal.

No entanto, essa possibilidade dependerá, em muito, do resultado das eleições presidenciais deste ano. Em um segundo momento, contornar o problema da descontinuidade das políticas ambientais demanda às iniciativas de conservação e preservação a consolidação de outras parcerias, seja com outros organismos da sociedade civil nacional ou global. Esses laços permitem a transferência de recursos humanos, financeiros e técnicos essenciais para reprodução e ampliação dos projetos sustentáveis.

 

I – Como percebeu, na prática, questões culturais específicas do município afetando o envolvimento da população com o trabalho realizado pelas ONGs?

PF – O Projeto de Assentamento Dirigido Rio Juma (PA Juma), em Apuí, foi concebido no seio da aspiração militar de ocupação e utilização extensiva do que se entendia como “potencialidades econômicas” da Amazônia brasileira. Os migrantes que para lá rumaram, na década de 80 e 90, por serem originalmente de famílias sem-terra, estiveram extremamente embalados por esse discurso, por esse ideal da Amazônia como “terra de oportunidades” e como “fronteira agropecuária”.

Tal concepção fronteiriça constituiu-se como importante dimensão cultural — a qual nomeio como instituição cultural-cognitiva no meu trabalho — envolvida na ocupação do PA Juma e até nos dias de hoje encontramos migrantes que chegam ao município com vistas a melhorar as suas condições socioeconômicas e a fixarem-se definitivamente em um pedaço de terra. As práticas sustentáveis promovidas pelas ONGs, ao serem enquadradas como práticas tecnológicas e que aumentam a renda do parceleiro, reproduzem essa instituição cultural, efetivando no imaginário do ator local a ideia da Amazônia como terra de onde sacará ganhos econômicos e financeiros relevantes.

 

I – Tendo acompanhado a atuação das ONGs na região, o que você acredita que pode ser trabalhado/melhorado na relação com as pessoas e órgãos públicos, a fim de evitar conflitos?

PF – Acredito que as ONGs e as pessoas que trabalham diariamente em cada uma dessas organizações possuam um conhecimento muito mais claro do que eu sobre os desafios, oportunidades e limitações de suas iniciativas. Como alguém alheio à rotina diária desses organismos, o meu comentário talvez adicione algum tipo de valor por vir de alguém de fora, estrangeiro ao olhar de quem está dentro de uma ONG atuante na Amazônia brasileira. Isso pode permitir um novo entendimento sobre a questão, mas também pode produzir uma observação incongruente.

Assumindo este risco, eu ousaria a dizer que o êxito de projetos e iniciativas das ONGs depende intimamente de quão participativa é a população local na construção desses projetos e iniciativas. É evidente que a participação social na concepção e implementação dos projetos é uma medida ética e moral, dado que se desenvolvem formas de intervenção e transformação do território o qual comunidades locais habitam, relacionam-se socialmente e reproduzem-se.

Porém, para além dessa dimensão e caminhando a uma observação mais prática, ouvir as demandas locais e construir os projetos e iniciativas a partir destas demandas estimula a identificação social com suas principais características, linhas de ação, procedimentos de implementação e transformações pleiteadas. Se grande parte da população local participa ativamente na construção dessas dimensões, então o projeto em si se associa naturalmente à realidade social destes atores, estimulando o engajamento coletivo. Trata-se, ao meu ver, de uma inversão na forma de se fazer política pública, construindo-a a partir da base, do chão, da estrutura social. Nesse sentido, cabe às ONGs o papel de somar esforços a outras lideranças, a fim de articular interesses distintos e mitigar possíveis conflitos de visões.

 

I – Você chega a enumerar algumas recomendações que possuem certo caráter de urgência, inclusive para reduzir a quantidade de áreas devastadas. Quais suas impressões sobre a disposição do poder público em resolver essas questões? Você consegue enxergar um cenário positivo para os próximos anos?

PF – Acredito que o cenário político atual é desfavorável ao controle e diminuição do desmatamento da Amazônia. Há uma clara orientação no Governo Federal de conduzir e estimular uma utilização extensiva dos recursos naturais amazônicos, reproduzindo uma antiga visão e discurso sobre a região como simples fonte de riquezas não apropriadas. A mudança de direção dependerá, principalmente, dos resultados das eleições deste ano, cujas prévias não apontam nenhum dos favoritos como presidente interessado em liderar uma outra forma de fazer política pública na Amazônia, que seja mais propícia à utilização sustentável de seus recursos naturais e da preservação ambiental, de resguardo dos direitos dos povos originários e de ampliação nas áreas das unidades de conservação.

Temos, infelizmente, um candidato com expressiva intenção de voto e com uma pauta de ultradireita, o que significaria um enorme retrocesso não somente no controle do desmatamento, mas para a política nacional. Dessa maneira, ao meu ver, as previsões ainda estão soltas, pois dependem claramente das eleições. A minha esperança, no entanto, reside nas inúmeras iniciativas encabeçadas pela sociedade civil, a qual produz mudanças de fato a partir de iniciativas locais de desenvolvimento sustentável. Os atores envolvidos nesses processos terão importante papel no que diz respeito às futuras contestações frente às políticas que aumentam o desmatamento da Amazônia e que mitigam os direitos dos povos originários em ter um pedaço de terra.

Também estes atores serão chave para selar parcerias com a sociedade civil global, de onde poderá vir o apoio técnico, financeiro e midiático necessário para a continuidade das políticas ambientais, especialmente em um cenário onde as agências estatais se fecham cada vez mais à pauta ambientalista.

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